1.4.08

Humanidade


Afinal, o que é a vida? Que fazemos nós cá e qual é o segredo desse milagre constante, mecanismo que corre na alma de cada um, resultado do leito de um amor. Que sangue é este que me corre na veia, rápido mas a tempo; que ar é este que me enche o pulmão, calmo mas necessário; e que rostos são estes onde eu, um entre tantos, não passam de uma densa massa de gente, que se auto-proclama “humanidade”. Ah! Humanidade... humanidade essa, que à custa do substantivo “progresso” se vai aproximando de tantos animais irracionais, de onde supostamente nos destacamos pela nossa inteligência. É a palavra “progresso” que desperta os instintos arrogantes, assassinos, egocêntricos, egoístas, materialistas, racistas e rancorosos há muito tempo adormecidos no nosso ser.
Somos tão pessimistas que, numa quente e nebulosa manhã de verão, ao invés de admirarmos a aurora com reluzentes raios vermelhos, que ao passar pela invasiva neblina matinal cria um momento celestial em que a beleza dá o rosto, inocente e tímida; nós, humanos (que de seres já não temos nada) só conseguimos pensar no calorento dia que vai estar, na humidade, ou na estância de férias que se pode construir, de modo a extorquir dinheiro (esse vil papel, retirado das árvores, que serve para nos escravizar, para nos impedir de ver um mundo melhor, pois o Homem novo que há tanto se espera é sempre consumido pela luxúria e pela corrupção e assim se cria um ciclo vicioso, onde os mais fracos são oprimidos e os mais fortes impõem suas vontades, com a falsa promessa da liberdade, nome abstracto por condição e criminoso na sociedade, pois tal obscenidade é apenas um sonho utópico e surreal que o povo mantém há séculos, feliz, mas irrealizável) a dos bolsos de ingénuos que não percebem que tudo é uma maneira manhosa mas permitida de roubar.
Sim, nós, humanos, já há muito que provamos sistematicamente a maçã de Eva. E fazemo-lo tão amargamente no nosso ego que vilipendiamos o nosso próximo, que a nossos olhos parece negativo, mas que, como nós, já se perdeu a si próprio.
Mas mais nada me importa. Simplesmente, não quero saber. Que me importa coisa nenhuma quando, em pé, numa ponte metálica existente na minha cidade, que tanto já viu e que por tanto já passou, me ergo perante a vida. Está uma fresca neblina, nesta noite de primavera. O azul turquesa do céu faz-me alegrar o espírito. O mar está com uma força atractiva misteriosamente forte, e o verde de suas águas reflecte a humanidade num pedaço de metal. Afinal, nós também somos abandonados quando já não temos utilidade, somos frios e poluímos a natureza à nossa volta.
Inclino-me.
- Não! – grita alguém atrás de mim.
É ela. Os seus longos cabelos castanhos cor-de-café esvoaçam e dos seus olhos rasgados que fazem lembrar um felino, uma lágrima percorre o seu rosto angelical. As frescas camisas de verão dançam ao sabor do vento, e repete:
- Não! O que estás a fazer? Estás louco?
Louco, eu? Sim, fui louco. Louco por ela. Todos os dias ela passava por mim. Todos os dias ela me desprezava. Todos os dias o meu coração sofria e todos os dias minha mágoa se acentuava. Todos, todos os dias. Mas um dia, um dia ela e sorrio, e um riso incandescente em meus olhos me acendeu o espírito. No seu quarto, sob a vela que perfumava sua cama, entreguei-me ao amor, ledo mas ingénuo, pois afinal, eu não passava de um entre tantos.
Já fui louco, já não sou. Louco é aquele que pretende resposta a todas as questões, e que não se satisfaz com um “porque sim” ou “porque não”, mas eu já estou esclarecido. Inclino-me mais um pouco. Um imenso vento bate-me na cara e eu rio.
Eu já provei o doce do teu amor e a amargura do teu ser; agora saboreei o gosto da brisa, e contarei o número de sereias que cantam e encantam este mar, que tanto me faz sonhar.